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O Unicórnio
No ano passado era uma bola de carne e está quase na universidade não tarda.
O Francisco vai para a creche. Sinto-me ligeiramente ansiosa, com um nó de marinheiro no esófago, as pernas tremelicam, o beiço superior treme e o coração galopa, mas não irei falecer.
Quando eu e mêrapaz tomámos esta decisão, ouvimos alguns contras.
“As crianças estão bem é com as mães em casa”.
Não, para mim, não estão. As crianças precisam de brincar com crianças, de aprenderem a partilhar, também a brigar, respeitar, perdoar, terem limites e experenciar outros ambientes fora do ninho que nós, mães, construímos à volta dos nossos filhos, impenetrável, limpinho e livre de germes.
Em casa a dinâmica a dois começa a tornar-se desgastante para ambos. Como vivemos num apartamento e o tempo invernoso não permite grandes passeios - apesar de sairmos todos os dias e de ele estar várias vezes com a avó – sinto que precisa de abrir as asinhas e dar-se ao mundo. Só eu já não lhe chego e a energia que tem é demasiada para estar contida entre quatro paredes.
Março não é a melhor altura para arranjar vaga numa creche. Conseguimo-la numa localidade aqui bem perto, com ambiente familiar e onde funciona também um centro de dia. Uma mais valia, penso. Acho fantástico idosos e crianças conviverem e passarem tempo juntos, trocando experiências e afectos.
Certamente que os primeiros dias não serão fáceis, foram vinte meses a vivermos um com o outro, mas, é na certeza que ele será feliz na companhia de outros meninos que o meu coração se alegra.
Já temos o bibe “pirosamente” bordado, o panamá e toda uma lista necessária para que o pequeno unicórnio na próxima segunda feira descubra o maravilhoso mundo que existe por aí. Desejo que goste de conviver e de nele se aventurar tanto como sua mãe.
“Uma educadora de infância não substitui a mãe e só tu conheces o teu filho”. Verdade. Só eu o conheço por inteiro. Sei porque chora, porque ri, o que o aborrece, como gosta de adormecer, comer, as músicas preferidas, mas não é por isso que deixo de confiar na educadora que o irá acolher, a Marisa. Confio-lhe o meu filho de mãos abertas na esperança de que o ajude a explorar novos mundos e que seja mais uma fonte afectos, a juntar-se à enorme família do Francisco que tanto o adora.
“A creche só serve para os miúdos apanharem doenças”.
Varicela, sarampo, papeira, diarreias a rodos, otites, amigdalites, tive todas. Aqui estou eu, vivinha.
Sei que nos primeiros meses apanhará as bichezas que por lá andarão a passear, mas valha-me Deus, crianças precisam de ganhar anticorpos, de se exporem ao mundo dos vírus (desde que não seja nada de grave, obviamente, largarto, lagarto, lagarto) e já passei a fase em que ao primeiro espirro do Francisco ligava ao pediatra. Estou preparada para a guerra de bichezas que por aí aparecerá.
“Na creche os miúdos mordem, são mordidos, magoam-se”.
Ora bem. Aqui está um temazinho engraçado. Os miúdos brigam e têm más ideias, tal como têm alguns adultos. Sei que aparecerá com mazelas e ele próprio infligirá algumas. É claro que se ele morder os amigos ou aparecer em casa mordido, não acharei piada, mas não vestirei a máscara de combate e não aparecerei na creche à procura da mãe da criança que o mordeu para lhe dar umas galhetas. Gente, paleolítico, só gosto da alimentação. Crianças são crianças, também brigam, também se zangam, é sinal que estão a crescer e nós mães, só temos que tentar apaziguar o que morde e aquele que é mordido.
E pronto. O texto acima só serviu para me mentalizar que o meu pequeno unicórnio vai para a creche.
Agora, vou só ali hiperventilar para um saco de papel, aproveito e vomito de tantos nervos, limpo as lágrimas e tenho que “arrepiar caminho” como dizia a minha avó e mentalizar-me que mãe sofre e que isto é só o início. Porra, isto é só o início.