Aí está! Ode ao verdadeiro campista.
O Unicórnio
Durante quase vinte anos que eu e a minha família, passámos férias em Peniche no parque de campismo. Escusado será dizer que eu e a nha`irmã, adorávamos os verões cheios de sol e liberdade ao ar livre. Estar no parque era como estar com amigos. Todos nos conheciam e tomavam conta uns dos outros.
O ritual era sempre o mesmo;chegávamos, demorávamos dois dias a montar a tralha e desfrutávamos dos três meses. Eu e a nha´irmã, já mais crescidas, passávamos os dias na praia com os nossos amigos e os meus pais, não tão adeptos de areia e de sol, preferiam descansar e passear.
Éramos campistas, mas não completos campistas. Éramos campistas “assim-assim”. Havia sim, uma classe superior de campistas que eu admirava, dado a paixão e dedicação com que se entregavam àqueles dias de ócio.
Eram os campistas “à séria”. Calçãozito pelo joelho, chinelo “Summertime” e a enorme barriga a passer ao sol. Por vezes, usavam um chapéu de palha com a fitinha da Ilha da Madeira, óculos de aviador e quase todos tinham a unha do mindinho bem crescidota, não fosse o comichão no rego dar sinal. Era ouvi-los, a falarem alto, satisfeitos, a coçarem a pança e o escroto, e de vez em quando, bafejavam o litoral com um belo de um traque suavemente levado pela brisa de Agosto.
De manhã, levantavam-se bem cedo e faziam a higiene nas casas de banho do parque. Lá iam eles, os doutores, todos empertigados com o belo do rolo do papel higiénico debaixo do braço (para todos saberem que iam fazer cocó), e na outra mão, o belo do balde de plástico transparente que continha os chichis e os cócós de toda a família. Sim, porque isto de andar a caminhar para o wc de madrugada é uma chatice!
O campista “à séria”, depois da higiene, toma o pequeno almoço com a família no interior da tenda. É pão, é queijo, são tostas e sumos, preparados tal e qual como em casa. De ressalvar que o campista “à séria”quando vai de férias, leva a tralha toda atrás, sem se esquecer do vaso das flores e da antena parabólica. Sei que ainda existem neste parque, roulottes que têm caixas do correio, pavimento exterior em azulejo, cozinhas totalmente equipadas, e televisores plasma.
Os preparativos para o almoço, começam logo a seguir à primeira refeição da manhã. Às dez, já o foguereiro está aceso e o cheiro a pimento a pairar no ar. O dito campista, com a bela mini na mão, grita para o vizinho da frente os resultados do futebol da noite anterior e a meio da conversa, combina uma cartada lá para o final da tarde na sala de convívio. É vê-los bem redondinhos e vermelhos a jogar às cartas, enquanto os netos brigam uns com os outros para ver quem é o primeiro a “atirar ao gato”. Literalmente.
Este campista, nunca vai à praia. NUNCA. Nunca sai do parque. NUNCA. É ali, naquela área geográfica que se movimenta e sente seguro. Normalmente, passa as tardes na esplanada da tenda, a comer tremoços e a coçar os pés um no outro.
De noite, é aquele que não deixa dormir os vizinhos do lado. Por todo o parque, ecoam na madrugada os roncos profundos vindos do campista “à séria” que ignora os gritos do exterior que o mandam calar. O campista, este campista, é livre. É senhor da sua roulotte (ou tenda), é alheio a todos os problemas do mundo, centrado só em si e no seu bem estar. O campista, este campista, é feliz com a sua barriga, com o facto de ter que fazer cocó num balde. É fiel aos seus hábitos e jamais se vergará aos novos campistas modernos de alpercatas e franjas que vão de Quechua, armados ao pingarelho.